Resgatando vidas
Iniciativa: desde 2005, advogado coordena movimento voltado à prevenção do uso de drogas e ao auxílio a quem quer dizer 'basta' à dependência
07/03/2013 - 14h48
Eduardo Gregori
gregori@rac.com.br
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Brasil alcançou, em 2011, um recorde que não merece qualquer comemoração. Naquele ano, havia no País mais de 1 milhão de usuários de drogas, com prevalência de utilização de maconha, crack e cocaína, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados de 2012 ainda não foram contabilizados, mas a quantidade crescente de dependentes continua a provocar indignação na sociedade e a levar cidadãos a promoverem, cada vez mais, iniciativas para resgatar as pessoas do vício.
Os dados de 2012 ainda não foram contabilizados, mas a quantidade crescente de dependentes continua a provocar indignação na sociedade e a levar cidadãos a promoverem, cada vez mais, iniciativas para resgatar as pessoas do vício.
O advogado Nelson Hossri Neto é uma delas. Depois de se deparar com o problema dentro de casa, ele deixou a carreira na área jurídica e se especializou em dependência química.
Em 2005, fundou o movimento Sou Feliz Sem Drogas, que tem como metas a prevenção e o auxílio a dependentes e familiares por meio de palestras, encaminhamentos a centros de recuperação e grupos de ajuda, realização de ações e manifestações preventivas e distribuição de cartilhas educativas a crianças.
Em 2005, fundou o movimento Sou Feliz Sem Drogas, que tem como metas a prevenção e o auxílio a dependentes e familiares por meio de palestras, encaminhamentos a centros de recuperação e grupos de ajuda, realização de ações e manifestações preventivas e distribuição de cartilhas educativas a crianças.
Metrópole – Como surgiu o interesse em atuar na prevenção da dependência química?
Nelson Hossri Neto – Há alguns anos, enfrentei um problema envolvendo drogas na família. Estava na faculdade, em Ribeirão Preto, e não sabia lidar com a situação. Foi um período muito difícil para mim e para meus parentes. Foi quando conheci o padre Haroldo Hans e ele me orientou e ajudou. Então, despertou em mim a vontade de ajudar, de saber qual o melhor trabalho para auxiliar quem sofre com o problema. Voltei à universidade, especializei-me no tema e, em 2005, idealizei o movimento Sou Feliz Sem Drogas.
Como funciona a iniciativa?
Somos 23 voluntários. Fazemos palestras gratuitas em escolas, empresas, canteiros de obras, sindicatos e igrejas. Trabalhamos também com a prevenção universal, que independe de se ter ou não problemas com drogas. Levamos informação para as pessoas por meio de panfletos e campanhas publicitárias, alertamos-as sobre os malefícios dessas substâncias e mostramos que há tratamento. Nosso lema é "Quer usar droga o problema é seu, quer parar o problema é nosso".
O movimento também foca o público infantil. A prevenção com crianças é diferente?
Sim. Como o assunto é muito delicado, não é adequado abordar crianças de 4 a 13 anos e falar de crack ou cocaína, pois isso pode despertar nelas o interesse pelas drogas. Para esse público, desenvolvemos uma cartilha específica, com atividades que demonstram, de forma lúdica, o que elas enfrentam dentro de casa ou com pessoas ao redor. A identificação de um problema se dá com os desenhos que elas fazem e as cores que utilizam. Se nos traços percebemos indicativos de situações relacionadas a drogas, oferecemos tratamento psicológico para a família.
Qual é o tratamento proposto pelo movimento Sou Feliz Sem Drogas?
A iniciativa se baseia em três pilares: laborterapia, espiritualidade e literatura. Na laborterapia, o indivíduo trabalha, pega na enxada e passa por uma desintoxicação natural, dentro de um programa num centro de recuperação. Ele aprende a criar responsabilidades, como arrumar a cama, cozinhar e ter horários para acordar e dormir. Na espiritualidade, pregamos a necessidade de se acreditar em algo, independentemente da religião, porque a pessoa não pode ser vazia, sem fé. O trabalho na literatura consiste em incentivá-la a estudar e entender a droga da qual ficou dependente. Ela precisa se conscientizar de que tem uma doença espiritual, mental, física e progressiva.
Quanto tempo dura esse trabalho?
Seis meses. A desintoxicação dura três meses e nos outros três o indivíduo aprende a se reintegrar na sociedade. Nesse período, há um trabalho conjunto com a família, pois ela tem papel fundamental no processo, é a base para o dependente retornar à comunidade. Quando a pessoa sai da internação, precisa ter ao redor aqueles que a amam. A participação dos familiares é importante também para que as regras aprendidas no tratamento sejam seguidas dentro de casa.
E as recaídas?
De cada dez pessoas que encaminhamos para tratamento, sete voltam a usar drogas. Algumas retornam ao programa e se internam até oito vezes. A média é de cinco internações até que não haja mais recaídas.
Qual sua opinião sobre a descriminalização da maconha?
Sou contra, principalmente, porque a maconha é uma substância perturbadora do sistema nervoso central. Também porque o Brasil não oferece condições dignas de tratamento e por ser incompetente para lidar com o cigarro e o álcool, duas drogas lícitas. Quando ocorrer, de fato, uma regulamentação séria, aí podemos discutir a legalização de qualquer droga.
O que seria essa regulamentação séria?
Uma que fizesse a legislação ser cumprida. Hoje, a lei diz que é proibida a venda de bebida alcoólica para menores de 18 anos. Porém, na prática, isso não ocorre e qualquer criança pode comprar álcool porque não existe fiscalização. O mesmo é verificado no trânsito. Determina-se que quem bebe não pode dirigir, mas os motoristas bebem e dirigem e, ainda que haja acidentes, não são punidos. Outra questão é a publicidade da cerveja. As cervejarias mantêm um lobby que permite brechas na legislação e, além disso, as propagandas transmitem uma imagem distorcida do álcool, exaltando pessoas famosas que o ingerem. Ao final, a advertência sobre a bebida é muito pequena e passa despercebida.
Muita gente afirma que apenas "bebe socialmente". Quando esse comportamento e o uso eventual de drogas se transformam em dependência?
Quando há mudança de comportamento, humor e sensações. A pessoa sai da fase do macaco para a do leão. A primeira é de alegria e diversão, e o usuário pensa que sabe consumir álcool e drogas e imagina poder parar quando quiser. Na fase do leão aparecem sinais de violência e agressividade e há uma mudança repentina de humor. O último estágio é o do porco, em que o indivíduo não liga para a própria higiene. Fica evidenciada sua dependência e ele perde a família, o trabalho e a dignidade. Também a sociedade passa a não mais aceitar essa pessoa.
Qual droga o senhor acredita ser a pior?
As lícitas, comercializadas legalmente. É o caso das bebidas alcoólicas, que são símbolos de comemoração, fazem parte da nossa cultura e são, muitas vezes, exaltadas dentro de casa. Por exemplo, aquela história de molhar a chupeta na pinga e dar para o bebê é muito errada. Quanto mais cedo uma pessoa é exposta ao álcool, maior chance ela terá para se predispor a utilizar a substância e se tornar dependente.
Há um tipo de indivíduo mais vulnerável à dependência química?
Todo ser humano é vulnerável, porém, fatores genéticos contribuem para que ele desenvolva a dependência. De cada dez pessoas que passam por tratamento, pelo menos quatro têm alguma influência genética.
E é possível traçar um perfil dos usuários?
Drogas como crack e maconha são muito utilizadas pela população de baixa renda. As substâncias baratas também atingem o público que tinha um poder aquisitivo maior, mas que foi minado por drogas mais caras.