7 de jan. de 2015

Jon Jones usou cocaína. Em que isso interfere na preparação de um atleta?


Jon Jones era o maior astro do UFC. Desde a última segunda-feira (07), virou um problema para o maior evento de MMA do mundo. Líder do ranking peso por peso e campeão mundial dos meio-pesados, o norte-americano foi flagrado em exame antidoping realizado em dezembro, durante a preparação para enfrentar Daniel Cormier. A análise deu positivo para um derivado de cocaína, e o lutador foi internado numa clínica de reabilitação. Mas quais são os efeitos que a droga produz na rotina de um atleta, afinal?
"[A cocaína] é um potente estimulante do sistema nervoso central, produzindo uma sensação inicial de euforia, bem estar, desinibição e aumento de libido", explicou Luciane Maria Ribeiro Neto, farmacêutica com pós-doutorado em endocrinologia clínica pela Unifesp e gerente da secretaria central das comissões de ética do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo).
"A cocaína é um estimulante do sistema nervoso central. Ela aumenta a sensação de capacidade e de força. Ainda mais num esporte como a luta, ela pode ter um significado emocional importante", completou a terapeuta e coach Erica Aidar, formada em psicologia, responsável pelo preparo mental de atletas de alto rendimento no Instituto Tênis.
A questão sobre o fator estimulante é a duração. A despeito de ter recebido um impacto por causa da droga, Jones não teve necessariamente um acréscimo de desempenho em lutas oficiais.
"O efeito é curto. Para aproveitar o efeito físico, de energia, você teria de usar 30 minutos antes, no máximo. O ideal seria cinco ou dez minutos antes do início do combate", ponderou o psicólogo Luiz Paulo Guanabara, diretor do Psicotropicus (Centro Brasileiro de Política de Drogas).
Outro efeito da cocaína pode ter causado mais impacto na rotina esportiva de Jones. A droga é um inibidor de apetite, o que afeta diretamente numa modalidade em que os atletas são sempre pressionados a bater peso.
"Como existe essa questão de peso muito específica do esporte, pode ser usada num momento de desespero. É muito comum isso acontecer entre as modelos", disse Erica Aidar.
Também há reações psicomotoras associadas ao uso de cocaína. A manifestação disso é individual, mas pode incluir comportamentos como perna inquieta, piscadas frequentes, dificuldade para ficar parado e reações exacerbadas.
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Riscos e tratamento
Por ser estimulante de curta duração, a cocaína tem alto poder viciante. Esse é um dos principais riscos para qualquer usuário.
"O efeito dura 20 ou 30 minutos. Termina o efeito, vem a vontade de usar novamente. Aí vem a questão da tolerância: o sistema nervoso central vai se acostumando e pedindo doses maiores, e essas doses maiores vêm acompanhadas de mudanças comportamentais", disse Nelson Hossri, formado em ciências jurídicas e sociais, criador do movimento "Sou feliz sem drogas".
Hoje em dia, segundo Hossri, a dependência química é tratada como uma doença crônica, progressiva e sem cura definitiva: "O tratamento é ficar limpo e não usar. O pouco que ele venha a usar vai levar a quantidades maiores, e a recaída faz parte da vida do dependente. Ele pode ficar dez anos limpo e amanhã voltar a usar. Isso prova que é incurável".
O vício, contudo, é apenas uma das ameaças da droga. "O risco de infarto agudo do miocárdio aumenta 24 vezes uma hora após o uso de cocaína em pessoas com fatores de risco baixo para esse evento cardíaco, e isso não tem relação com quantidade ingerida, via de administração ou frequência de uso. A cocaína é também dotada de potente efeito vasoconstritor", enumerou Luciane Maria Ribeiro Neto.
Normalmente, o primeiro passo no tratamento é identificar a frequência de uso. "É preciso saber se é algo leve, moderado ou grave. A gente chama de grave quando o uso já passou a ser diário e a pessoa precisa daquela substância para desenvolver atividades do dia a dia", classificou Erica Aidar.
A partir da detecção, o tratamento mais comum é a internação. Há abordagens apenas parciais – tratamento durante o dia, com o paciente voltando para casa à noite – e casos de cuidados constantes. O prazo para recuperação e reinserção na sociedade varia de um a nove meses, dependendo da linha adotada.
"O desafio é substituição do comportamento. O que ele quer sentir? A gente usa as coisas para sentir alguma coisa. Então, é necessário encontrar outra coisa que dê isso a ele", opinou Aidar.
"Você não busca a abstinência imediata, mas um plano factível, que ele consiga realizar e avançar na medida possível", adicionou Hossri, que exemplificou: "Você pode ensinar medidas higiênicas de uso e restrições como nunca usar o canudo de outra pessoa".
Histórico vencedor
Jon Jones tem um cartel de 22 lutas no MMA, com 21 vitórias (nove por nocaute) e uma desqualificação. Ele detém o cinturão dos meio-pesados do UFC desde março de 2011, quando derrotou o brasileiro Mauricio Shogun, e atualmente é o recordista de defesas de título no circuito.
Todo esse histórico foi colocado em xeque por causa do doping. Jones foi flagrado em exame realizado no dia 4 de dezembro, mas pôde defender o cinturão contra Cormier no dia 3 de janeiro, em Las Vegas – o combate só teria sido afetado se a prova positiva tivesse acontecido na semana da luta.
Depois do anúncio do doping, Jones já foi defendido pelo UFC e pela fabricante de material esportivo Reebok. "Com o apoio de minha família, eu entrei em uma clínica de reabilitação para drogas. Eu quero me desculpar com a minha noiva, meus filhos, assim como minha mãe, pai e irmãos pelo erro que cometi", disse o lutador num comunicado oficial.
Guilherme Costa
Do UOL, em São Paulo - 07/01/2015